
Auto-mar
A minha navegação
não é de água salgada, não.
É de água da cor de barro,
de lembranças a boiar.
Coisa de memória feita
(rio a correr noutro rio),
nele se perde a rasura
mesmo no palmo a nadar.
Para saber dessas águas,
é preciso olhar as margens
e o que nelas mais não há:
bichos, casa de menino,
qualquer coisa do lugar.
O navegar principia
nas ausências do lembrar.
Nessas memórias desfeitas
que começo a rascunhar.
De navio não preciso
(seria tolo pensar).
O navegar aqui é rito:
navegação de auto-mar.